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“O desejo é também um poder” Entrevista com Jazmín Beirak

“Direitos Culturais: uma política pública para (re)imaginar futuros”, de Jazmín Beirak, é uma das conversas que marca o arranque do programa do Desejar — Movimento de Artes e Lugares Comuns.

Mais do que política — após quase dez anos enquanto deputada porta-voz de cultura na Assembleia de Madrid — Beirak é historiadora de arte e investigadora em políticas culturais. No ano passado, assumiu o cargo de Diretora-Geral dos Direitos Culturais do Governo de Espanha. “Cultura Ingobernable”, livro editado em 2022, é a base do trabalho de Jazmín Beirak, que defende um modelo de política cultural descentralizado e para as massas.

Braga 25 (B25) – Como podemos relacionar o direito à cultura com o desejo?

Jazmín Beirak (JB) – Uma forma de pensar esta relação é que garantir direitos garante também as condições para que o desejo circule. Muitas vezes, entendemos o desejo como uma falta, como algo que ansiamos porque nos falta. Mas o desejo é também um poder. Por vezes, desejamos aquilo que, dentro do nosso próprio mundo, acreditamos ser capazes de levar além. Se as linguagens artísticas, se a cultura, nos parecem estranhas — devido às nossas origens, ao nosso território, às nossas circunstâncias materiais —, elas não só nos são inacessíveis, como também nos torna difícil até mesmo desejá-las. Por isso, garantir direitos abre a primeira porta. Permite que a cultura seja desejável, imaginável, parte da nossa própria vida. Por outro lado, no que diz respeito à relação entre cultura e desejo — para além da lei —, elas andam de mãos dadas. A experiência artística permite-nos abrir espaços que desconhecíamos, mantém vivas as interrogações e, com elas, o impulso de procura. A relação com a pergunta é, na sua essência, uma relação movida pelo desejo: o desejo de conhecer, de compreender, de explorar outros territórios. Novos horizontes. Há também a ligação entre o prazer e a cultura, entre a curiosidade. Ambos estão também relacionados com o desejo. Há muitas formas de entrar nesta relação entre desejo e cultura.

B25 – No teu livro, “Cultura Ingobernable”, afirmas que a cultura deixou de ser uma forma de criação de laços entre as várias comunidades e tornou-se mais um bem de consumo. Como podemos contornar isto?

JB – O que defendo no livro é que o conceito de cultura está preso a um binómio: por um lado, uma cultura esclarecida e, por outro, uma cultura entendida como bem de consumo. A primeira, reservada a especialistas; a segunda, relegada para o lazer e produzida por profissionais. Embora pareçam opostos, são, na verdade, duas faces da mesma moeda, e ambas geram o mesmo efeito: separar a cultura da vida quotidiana, transformando-a numa linguagem excecional, extraordinária. Perante esta dicotomia, os direitos culturais podem abrir espaço para recuperarmos a dimensão social da cultura, para a reconhecer como uma prática viva e partilhada. Como salientou Raymond Williams, como algo ordinário: comum, quotidiano. Para avançarmos nessa direção, é fundamental promover políticas culturais que coloquem a equidade e a diversidade no centro, que fomentem a transversalidade da cultura e os seus impactos positivos noutras áreas – como a educação, a saúde e o ambiente – e que promovam a descentralização e a proximidade. Na Direção-Geral dos Direitos Culturais, [em Espanha], lançámos linhas de apoio a projetos culturais com impacto social e a iniciativas de cooperação em meios rurais que respondem precisamente a esta perspetiva.

B25 – Que passos podemos percorrer para garantir que a cultura se torna um direito fundamental do ser humano?

JB – A cultura é já um direito humano fundamental. Isto reflete-se tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Não podemos perder de vista isto: os direitos culturais são direitos humanos, indissociáveis ​​dos demais. O que falta é a consciência dessa dimensão. Entender a cultura como um direito. E isso não é fácil, depois de décadas em que a cultura foi defendida quase exclusivamente pelo seu valor económico. Acredito que uma das melhores formas de reverter isto seja através de políticas públicas. Políticas que, através do seu impacto na vida quotidiana, tornem visível a importância e a necessidade que nós, seres humanos, temos da cultura. Por vezes tentamos sublinhar essa importância com declarações. Mas não funciona: o que é necessário é a experiência. Por isso, uma política cultural baseada nos direitos, que conecte eficazmente a cultura com a vida das pessoas, é fundamental para restabelecer o vínculo entre a cultura e o interesse social, para restaurar a relevância social da cultura.

B25 – Que políticas podemos adotar em Portugal?

JB – Já estão a ser desenvolvidas iniciativas muito interessantes em Portugal, como o Plano Nacional para as Artes, entre outras. Considero que é essencial reforçar a cooperação entre contextos que partilham uma abordagem comum. Precisamos de construir uma rede de políticas culturais baseadas nos direitos, mesmo que nem sempre sejam assim designadas. O importante não é o rótulo, mas o significado: políticas que promovam a equidade, a diversidade e a cultura como veículo de transformação social.

 

A conversa com Jazmín Beirak é de acesso gratuito. A programação do Desejar — Movimento de Artes e Lugares Comuns pode ser consultada aqui.