Falámos com Ilídio Marques, curador do Clube Raiz, sobre o que podemos esperar deste espetáculo único, que sobe ao palco da Sala Principal do Theatro Circo esta sexta-feira, 19 de dezembro às 21:30. Compra aqui o teu bilhete.
Braga 25: Este é o último grande encontro do ano do Clube Raiz, e acontece no palco do Theatro Circo. De onde surgiu a ideia para este espetáculo?
Ilídio Marques: Este espetáculo surge como ponto final de uma sequência de espetáculos comissariados ao longo do ano e que procuraram cruzar e dialogar novas e antigas linguagens da música tradicional, mas também salvaguardar a matéria já existente. Cruzamos o universo contemporâneo da Ana Lua Caiano e Bandua, figuras de proa da nova música portuguesa com inspiração na música de raiz; desafiamos o canto polifónico das Mulheres do Minho para um diálogo clássico com os alunos de composição do Conservatório da Música Calouste Gulbenkian; e fortalecemos a ligação entre dois projetos de carácter comunitário, a Orquestra de Dispositivos Eletrónicos e o grupo de canto intergeracional Outra Voz. O espetáculo Seara surge como espelho do passado com reflexo para o futuro da música tradicional portuguesa. Olhamos para trás e identificamos nomes que tiveram um papel de relevo na música tradicional portuguesa, nas suas diversas ramificações, convocando também o seu legado. Queríamos que o último momento do programa fosse uma celebração maior do Clube Raiz, mas paralelamente conseguisse escrever uma página na história da música portuguesa.
B25: O que motivou a escolha destes artistas?
Ilídio Marques: O nosso objetivo era reunir um leque de músicos que sintetizasse, de alguma forma, os diferentes espectros da música de raiz, mas que, simultaneamente, cruzasse também gerações. Mas pretendíamos ir mais longe: tendo esta base, gostaríamos que estes músicos tivessem tido já ligações entre si, passadas, recentes, esporádicas ou até de alguma forma esquecidas pelo tempo. Pretendíamos que estes caminhos que se cruzaram outrora se voltassem a encontrar, projetando novas pontes para o futuro da música tradicional. No final, esta constelação, como gosto de lhe chamar, constituiu-se muito organicamente e tivemos a felicidade que acontecesse tal como foi pensada, reunindo no mesmo palco os talentos únicos da Amélia Muge, do Rão Kyao, do Júlio Pereira, do Daniel Pereira Cristo e do Manuel de Oliveira.
B25: Qual é o impacto que um espetáculo como o Seara pode ter, tendo em conta a importância crescente de defender o espaço que a música tradicional portuguesa ocupa?
Ilídio Marques: Acredito honestamente que este espetáculo salvaguarda esse espaço de defesa e desafia ainda o que poderá vir a seguir, a partir do impacto que poderá criar na memória e no estímulo das gerações atuais ou seguintes. Na música tradicional, nas primeiras duas décadas pós-25 de abril, era muito comum ver em palco grandes ajuntamentos de figuras que viriam a ser históricas na música portuguesa. Era um espírito quase cooperativista da música, que desapareceu ao longo das décadas e que tentamos aqui renovar. Estas junções reforçam a atenção sobre o papel educativo da música e da arte na transformação da sociedade, que é importantíssimo como resposta aos momentos frágeis e individualistas que vivemos hoje enquanto ser social. Para que o legado e o impacto fosse maior, o caminho seria desafiar, numa escala considerável, a cooperação artística.
B25: O que é que o público pode esperar do encontro entre estes artistas tão importantes, mas com caminhos tão diferentes?
Ilídio Marques: O programa do Clube Raiz partiu sempre da ideia de partilha, porque acreditamos que através da partilha, seja ela musical, gastronómica ou de outra área, convoca-se ao diálogo e à criação conjunta. Da mesma forma que teremos em palco estes músicos com caminhos tão próximos, mas igualmente diferentes, acreditamos que na sala do Theatro Circo juntaremos público de diferentes gerações, unidos pelo prazer da música, mas também pela vontade de assistir a algo inédito. Quando colocamos percursos tão sólidos em palco, há uma vontade de partilha que brota naturalmente destes para com o público, fazendo do palco a sala e vice-versa. O que surge desta ligação é sempre tão inesperado, que muitas vezes proporciona momentos que não estavam previstos. E é esse carácter de imprevisibilidade que creio que é o que se pode esperar de um concerto como este, que abrirá baús em busca de repertório esquecido e que trabalhará memórias para depositar em baús que fecharemos e abriremos só daqui por muito tempo.